Vitaminas: Ilustres
desconhecidas
por Lúcia Helena de
Oliveira
Uns
precisam delas sem desconfiar da falta que fazem. Outros as procuram na hora
errada e podem comprar encrenca. Todos falam em vitaminas, mas nem os
cientistas sabem direito o que de fato elas são.
Elas
estão na boca do povo porque, dizem as más-línguas, embelezam, atacam agentes
nocivos, espantam o cansaço, aumentam o desejo, abrem o apetite, tonificam os
músculos, melhoram o raciocínio, aceleram o crescimento das crianças e freiam o
envelhecimento. Todos consideram essas substâncias legítimas promotoras da boa
saúde. Cientistas lembram que as vitaminas ajudam em tantas funções que, sem
elas, o organismo não consegue cumprir todas as suas tarefas.
Elas
merecem o nome dado, em 1911, por Casimir Funk (1884-1967): vita, do latim, por
serem fundamentais à vida até dos microorganismos; já amina foi uma
generalização precipitada do bioquímico polonês: tempos depois, descobriu-se
que, ao contrário do que esse termo dá a entender, nem sempre essas substâncias
derivam da amônia. As diferenças, aliás, não se limitam às suas fórmulas
químicas. Vitaminas são nutrientes essenciais de que o organismo necessita em
pequeníssimas quantidades - e esta definição é o único ponto em comum entre
dezenas de substâncias, cada qual com um comportamento particular. Contudo,
dessas dezenas apenas treze recebem dos biólogos o crachá de vitamina, por
serem julgadas as mais importantes ou porque o organismo humano é incapaz de
produzi-las. A ordem em que esses compostos orgânicos foram identificados
transformou-se em ordem alfabética, o que faz um suco de frutas parecer sopa de
letrinhas, ao se analisarem as vitaminas contidas: A, B, C, D, E, K..
A
letra B, na verdade, designa um complexo de oito vitaminas muito diversas, mas
que confundiram os pesquisadores à primeira vista por terem sido encontradas
nas mesmas fontes alimentares. As confusões, aliás, também eram comuns porque
algumas moléculas de vitaminas são parecidas, até que se combinem com outras
substâncias no organismo para serem ativadas. A maior parte dessas
transformações ocorre no fígado, como se ali as vitaminas assumissem um encargo
especial de trabalho no complexo laboratório do organismo humano, onde se
operam as mais diversas reações químicas.
Prontas
para entrar em ação, elas às vezes reagem com outras moléculas, como faz a
vitamina A, a fim de formar pigmento do olho que precisa ser renovado para se
enxergar em detalhes ou ainda, quando está no escuro, para se perceberem as
formas dos objetos num jogo de sombras. As vitaminas também reagiriam com os
chamados radicais livres - complexas substâncias com cerca de mil átomos de
hidrogênio, formadas por fatores diversos como álcool e fumo. A reação, no
caso, foi observada apenas em laboratório, mas, se ocorre no corpo humano,
então as vitaminas conseguem literalmente tirar um anarquista de circulação:
muito reativo, o radical livre logo se gruda em uma célula e fica ali para
atrapalhar. Com o tempo, há mais anarquistas e mais confusão criam.
Por
isso, esses radicais estão ligados a processos degenerativos como o câncer e o
envelhecimento.Neste caso, eles se acumulam, agarrados às fibras de colágeno
que amarram as células dos tecidos. Estas acabam se rompendo como uma rede sob
excesso de peso - quando isso ocorre, as rugas aparecem no rosto. Ao formar
substâncias e neutralizar outras, as vitaminas são protagonistas nas reações e,
uma vez que são transformadas, se desgastam no desempenho desse papel. No
entanto, é como coadjuvante que elas atuam na maioria dos processos
bioquímicos, nas chamadas reações enzimáticas, que, entre outras coisas,
compõem a digestão.
O
amido que se come no pão, por exemplo, mistura-se com a água no aparelho
digestivo e forma o substrato, ou seja, a matéria-prima de um produto que o
organismo precisa fabricar. O produto, neste caso, é um combustível das
células, obtido quando certa enzima quebra as moléculas da matéria-prima,
recombinando as partes de um modo diferente - o da fórmula da glicose. Para
isso, as moléculas têm uma região, o sítio catalítico, que serve feito luva,
para as enzimas. Algumas vezes, porém, sobra espaço, e as enzimas, dentro do
sítio catalítico, dançam de um lado para outro. Sem um bom contato, as reações
para formar o produto não se desencadeiam. Neste aspecto, pode-se dizer que uma
refeição cheia de gorduras, carboidratos e proteínas é nada, senão houver
vitamina.
Esta
ajusta a enzima como o calço de uma mesa bamba e, no final, sai intacta. Assim,
é usada várias vezes em reações semelhantes, antes de ser eliminada. Daí porque
os alimentos só precisam repor milésimos ou até milionésimos de grama desse
nutriente. Seguindo à risca a dose diária recomendada pela Organização Mundial
de Saúde (OMS), quem viver setenta anos terá consumido apenas cerca de 30
gramas de B1 ou tiamina, as quais nem transbordariam numa xícara de cafezinho.
A importância desse consumo, porém, vale muito mais do que pesa. Se a ingestão
de qualquer vitamina for inferior ao ideal, paga-se a diferença com a própria
saúde. .
Carência
extrema de vitamina B1, por exemplo - cuja função é manter os nervos que
controlam os movimentos -, gera uma doença conhecida na China há mais de 4 mil
anos: o beribéri, cujo nome significa ao pé da letra "não posso",
alusão à dificuldade da vítima em se mexer. Mas as doenças, sejam menos ou mais
graves, não são o alarme da falta de vitaminas. De acordo com o médico Hélio
Vanucchi, da Universidade de São Paulo (Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto), "elas já são a última etapa de um processo de deficiência".
Estudando o problema há dezoito de seus 46 anos, ele explica que no início o
organismo esgota as reservas desses nutrientes e, em seguida, certas funções
orgânicas que dependiam da sua presença são interrompidas ou se tornam mais
lentas; ainda nesse estágio, não há sintomas.
Só
na terceira fase, às vésperas de ficar doente, a pessoa sente que algo está
errado. "Mas as sensações são tão imprecisas, como perda de apetite ou
irritabilidade, que poucos procuram um médico", conta Vanucchi. "E,
se procuram, sem ver sinal aparente de doença o médico pode não chegar ao
diagnóstico." Na área em que esse paulista de Araraquara se especializou,
a Nutrologia - estudo em Medicina da ação dos nutrientes -, costuma-se
considerar que para cada caso clínico existem nove ou dez casos de carência da
mesma vitamina nos estágios anteriores, tão difíceis de ser percebidos. A
duração de todo o processo varia conforme a vitamina que falta: doses
insuficientes de A transparecem após cerca de oito meses, enquanto um período
quatro vezes menor pode ser o bastante para que a vitaminaC a menos provoque o
escorbuto.
O
risco de se ter a doença, caracterizada por hemorragias, não existe apenas nos
livros de História, que relatam expedições marítimas fracassadas por sua causa.
Um estudo na França, realizado em 1980, mostra que 30 por cento dos idosos são
deficientes em vitamina C. Aliás, os franceses, de paladar tão requintado,
consomem apenas 80 por cento da dosagem ideal dessa vitamina e também de A, B2
e B6. Os dados americanos são mais surpreendentes: somente 35 por cento das
pessoas têm alimentação adequada para suprir as necessidades diárias de
vitaminas.
Não
há pesquisas semelhantes de quanta vitamina é servida no prato do brasileiro,
mas um levantamento de possíveis deficiências partiria de um número já
estabelecido: 40 milhões de subnutridos. Outra preocupação estatística
brasileira são os 12 milhões de alcoólatras. "O alcoolismo hoje é a maior
causa de doenças por falta de vitaminas, na população adulta mundial",
avalia o médico Vanucchi. Além de comer menos - logo, ingerir menos vitaminas -
o alcoólatra gasta uma imensa quantidade de vitaminas do complexo B para
metabolizar a bebida. Seu organismo ainda requisita maiores volumes de todas as
vitaminas que de algum modo reparam os danos nos tecidos causados pelo álcool.
Contudo, não são apenas os que têm
problemas de saúde, como os alcoólatras, que devem se preocupar com as doses de
vitamina de todos os dias. Na opinião do bioquímico Miguel Sérgio Zucas, da
Faculdade de Educação Física da USP, os atletas devem ficar de olho no consumo
de B1 , B2 e niacina. Enquanto trabalham, os músculos produzem uma substância,
o ácido pirúvico, que sem a vitamina B1 , transforma-se em ácido lático.
"Este tem um efeito irritante", explica Zucas, "e é o responsável
pelas dores musculares após a ginástica."
As
outras duas vitaminas agem na obtenção de energia em exercícios de baixa
intensidade e longa duração. "Sem elas, o cansaço chega mais rápido",
afirma o bioquímico, que cuidou para que os três nutrientes não faltassem aos
atletas das seleções brasileiras de vôlei, basquete e ciclismo, participantes
dos últimos Jogos Olímpicos em Seul. A experiência de onze anos estudando
quando os nutrientes entram em campo não resolve seu maior problema: "É
difícil calcular quanta vitamina um atleta consome.
Se ele me disser que gosta de alface, em
princípio cheia de B1, não me tranqüilizo. Como vou saber se a B1 ainda está
ali? Hoje são comuns as práticas que destroem essa vitamina, como jogar
bicarbonato nos vegetais para deixá-los mais bonitos".
A
preocupação de Zucas faz sentido: os alimentos parecem não ser os mesmos, a
começar porque as moléculas das vitaminas são sensíveis a mudanças de pH
(medida do teor de acidez ou alcalinidade de uma substância), alterações de
calor, umidade, luz, presença de oxigênio, deficiências do armazenamento e
outros fatores que participam da industrialização. Um nutricionista americano
analisou 730 alimentos industrializados. Em números redondos, os vegetais
perdem quase a metade das vitaminas, enquanto nas carnes restou somente um
terço do teor inicial desses nutrientes. "As perdas podem ser maiores na
preparação doméstica, ao passo que os equipamentos usados na indústria, por
exemplo, não deixam escapar o vapor", defende Pablo Padin Fernandez,
engenheiro de alimentos da Roche, laboratório líder no mercado mundial de
vitaminas.
De
fato, as vitaminas se dividem em dois grupos: A, D, E e K se dissolvem em
gordura e por isso são chamada de lipossolúveis; já a vitamina C e o complexo B
formam as hidrossolúveis, que se diluem na água. Este grupo foge pelo vapor ou
pela própria água do cozimento. A indústria tem ao menos, o recurso de
adicionar vitaminas sintetizadas para reparar perdas e danos dos produtos em
relação aos seus ingredientes frescos. "Pode-se acrescentar qualquer
vitamina a qualquer alimento", garante Fernandez.
De
fato, esses aditivos podem até enriquecer produtos de grande consumo com as
vitaminas das quais a população está mais carente. Nesse sentido, a primeira
experiência foi em 1916, quando os dinamarqueses acrescentaram vitamina A na
margarina para compensar a substituição da manteiga exportada, rica naquele
nutriente. Desde então, outros países seguiram o exemplo. O Canadá foi o
primeiro a criar, em 1975, um conselho de nutrição que, quando as autoridades
sanitárias julgam necessário, ordena suplementações nos alimentos a serem
consumidos em dada região. Nesta década, o Japão, a Suíça e a Grã-Bretanha
adotaram políticas semelhantes. Nesses países, a adição de vitaminas em alimentos
também passa por rigoroso controle. Chega a ser proibido acrescentar as
vitaminas das quais a população está bem suprida.
Não
é mais que um mito o conceito de que é melhor ter vitaminas em excesso do que
não tê-las. Na verdade, a presença de uma vitamina acima de certo nível faz tão
mal quanto sua ausência. Acreditava-se que somente as lipossolúveis ofereciam
esse risco, por se depositarem em tecidos gordurosos e no fígado, enquanto o
excesso de hidrossolúveis seria eliminado pelo suor e pela urina. As pesquisas
mais recentes mostram que mesmo essas vitaminas solúveis em água podem ter
efeito tóxico se ingeridas em altas quantidades. Apenas esses efeitos demoram
mais para aparecer.
A
observação aumenta a polêmica em torno da teoria de que grandes doses de
vitamina C seriam capazes de curar ou prevenir resfriados. É verdade que as
superdoses têm o aval de ninguém menos que o cientista americano Linus Pauling,
Prêmio Nobel de Química em 1954 (e da Paz oito anos mais tarde). "O
excesso dessa vitamina ajuda a formar oxalatos, substâncias que produzem os
cálculos renais", diz Bruno Carlos de Almeida Cunha, professor da
Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
Pauling,
no entanto, se auto prescreve 10 gramas diários de vitamina C, equivalentes a
duzentos copos de suco de laranja. Nos anos 60, ele proclamou que a vitamina C
aliviara os sintomas de um resfriado, e desde então as vendas dessa vitamina
quadruplicam em cada inverno europeu. Em laboratório, a vitamina C mostrou que
pode matar vírus, como o da gripe. Mas não há provas suficientes de que faça o
mesmo no corpo humano.
Na verdade, é bastante nebulosa a área
entre o necessário à saúde e os excessos nocivos. Teoricamente, nas dosagens
intermediárias, as vitaminas poderiam curar doenças. Na prática, só é certo que
são o melhor remédio para as doenças que sua própria ausência provoca.
Fonte: Superinteressante
abril de1989.
·
Faça um resumo das vitaminas citadas na
reportagem;
·
Escreva os benefícios das mesmas e os prejuízos
de sua falta;
·
Cite os alimentos onde podem ser encontradas;
·
Escreva um texto dissertativo sobre a
alimentação do brasileiro, com no mínimo 30 linhas;
·
Trabalho dentro da metodologia.